domingo, 12 de julho de 2015

Uma vez... sempre !!



Deitado numa rede,  sob a sombra de  coqueiros, em praia paradisíaca, o andarilho descansa. Mas sua mente nunca. E nunca entendeu porque. Sempre foi diferente, não aceitava explicações sem bons embasamentos. Seu caráter questionador e inquieto, já o colocou em varias  saias justas.  Seu jeito inconformista e questionador o impediu de ficar muito tempo na igreja.  Sabia que tinha muitos passados e cada um deles contribuiu para formá-lo de certa forma.  A paisagem era realmente linda, o som da agua  na arrebentação  parecia colocá-lo em transe. Estranhamente a tarde caiu rapidamente, e as ondas começaram a bater mais forte nas pedras, as quais já nem lembrava que estavam ali. Viu a chegada da noite, precisava voltar, mas as ondas insistiam em castigar o penhasco.  Lentamente uma névoa passava diante dos seus olhos, o que era estranho, pois  estava no solstício de  verão.  Sabia que o que passo que estava preste a dar teria um impacto profundo. Memorias soltas começaram a saltar das profundezas de sua mente. Imagens da sua infância nas melhores escolas da Inglaterra. Seus pais sempre se orgulharam de sua inteligência , sonhavam que um dia estaria na corte ou  no clero episcopal. O padre da escola varias vezes tentou levá-lo para o seminário. Mas ele nunca se sentiu seguro. O padre sabia que  um jovem com essa inclinação questionadora, não faria bem para a igreja se ficasse fora dela.
Seguiu  o serviço público, onde conheceu muita gente interessante  e sociedades que se mantinham secretas, pois naquele momento a igreja estava de olho tudo. Qualquer situação diferente, em que a igreja se sentisse ameaçada, poderiam ser  réus da  santa inquisição.  Ele não queria se meter com a igreja, mas conheceu uma mulher, que transmitia serenidade e sempre tinha uma explicação para as questões complexas da vida.  Ela possuía  o que ele sempre quis ter, conhecimento. Os encontros  ficaram mais frequentes e ela começou a ensiná-lo.  Pouco tempo depois ela se revelou, pois não podia continuar, sem que seu aprendiz soubesse de onde vinham aqueles ensinamentos. Ela era uma bruxa.  Demorou para ele absorver a informação. Como poderia ? Segundo a igreja, as bruxas eram ignorantes com pactos demoníacos ! Sua mestra era uma das pessoas mais amáveis e sábias de toda Londres. Depois de expulsar seus demônios interiores resolveu continuar com o aprendizado, mesmo correndo os riscos de ser preso e torturado. Sua sede era maior. E depois de um ano e um dia, lá estava ele  sentado no alto de um penhasco meditando sobre sua escolha. Uma leve mão toca o seu ombro. Já estava tudo pronto.  Ele se levanta , segue a jovem mulher  por uma pequena trilha que leva para uma clareira, numa pequena floresta na Cornualha. Lá haviam pessoas num círculo, com capuzes e no centro uma senhora que ele conhecia bem, juntamente com um senhor de cabelos grisalhos.  As chamas da fogueira crepitavam  no círculo, enquanto entoavam cânticos em homenagem a natureza.  A Jovem entrou no círculo passando por cima de uma vassoura. Quando ele foi fazer o mesmo, uma daquelas pessoas, colocou o punhal no seu peito e perguntou o que ele queria.
Ele sabia que se cruzasse  aquele portal, estaria morrendo para sua vida atual e renascendo. Nunca mais seria o mesmo. Era o grande momento pelo qual aguardava durante um ano, traria mais conhecimento e mais responsabilidades. Olhou para a bruxa, disse as palavras rituais e sua passagem foi liberada. Tirou todos os seus pertences e entrou no circulo. Não levamos nada para a outra vida, apenas sabedoria. Foi recebido pela sua Mestra que começou o seu discurso dizendo  “Entenda, uma vez bruxo, sempre bruxo, pelos séculos de sua existência...”  Ela continuava enquanto ele olhava fixamente para a fogueira. Sentia o calor no corpo, e a voz da sacerdotisa ia ficando mais distante. Voltou a ouvir o barulho das ondas, cada vez mais alto e percebeu que o sol batia em seu rosto. Duas crianças  e uma jovem o chamavam insistentemente. A Jovem se aproximou e disse : “Vamos pai, daqui a pouco escurece e temos que aproveitar o  máximo  o verão do litoral baiano.”
Meio atordoado o andarilho se levantou e deu um sorriso para o mar. Agradeceu as entidades  marinhas e aos céus. Tudo estava claro agora “Uma vez bruxo, sempre bruxo. “


Um comentário:

Unknown disse...

Até arrepiei lendo! Ótimo texto.