quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

17 de Dezembro


    E ali estava ele, numa cidade que não era sua, certa que mais um clico se findava. No trajeto de ônibus até o hotel, via todos os detalhes daquela cidade diferente. Já tinha andado muito, esperando revê-la. O coração do Andarilho estava confuso, cheio de amor e incertezas. As luzes dos cristais, da grande arvore, brilhavam penetrando sua alma. Deixando um doce sabor de amargor em sua boca.  Havia postergado o seu retorno para casa, na esperança que algumas horas a mais fossem o suficiente para mostrar-lhe um novo caminho.  Onde houvessem novos sonhos que pudessem alimentar sua alma, já há muito em frangalhos. Com fome e sede de amor, de renovação.
    O tempo passava e tudo parecia em vão. Andou um pouco e parou para jantar. Na TV novas velhas notícia que não lhe interessavam mais. Dali a uma semana era Natal. Onde a esperança do retorno da luz ao mundo se renova. Onde os corações começam a se reaquece, pois o seu estava tentando sair de um tenebroso inverno.
    As horas num instante viraram minutos, angustia e apreensão tomaram conta do seu ser. Sabia que tinha feito tudo que podia, mas o amor de verdade floresce em dois. Outro passo deveria ser dado e não dependia mais dele. Ele sabia que era um passo de coragem o mesmo que ele havia dado. A derrota era eminente e nesse momento, ele transformou a televisão em sua melhor amiga, aliada dos corações solitários.     De repente umas algumas cenas aleatórias passam em sua frente e o sono parece carrega-lo para o mundo dos andarilhos, juntamente com sua esperança. Momentaneamente ele perde a consciência, que é retomada com um barulho na porta. Cambaleando ele se levanta, olha para o relógio, já passava da meia noite, ninguém havia interfonado. Quem seria? ao abrir a porta, meio ainda sem saber em qual mundo estava, a viu linda e ofegante. Ainda teve tempo de ouvir “Feliz Aniversário”.

    E sua vida nunca mais foi a mesma.  O mistério do Natal, Yule.... Estava revelado. A esperança e o amor estavam de volta. Um brinde ao Amor e a Vida.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Talvez nem tanto...

    A visão muitas vezes se  turva diante dos sentimentos mais puros. Diante de uma realidade dura, marcada por cicatrizes que nunca se fecharam por completo nessa vida. Talvez nem em outra.  As marcas são capazes de endurecer os corações, neblinar a mente, onde se forma jogos macabros.     Suficientemente irritantes e apavorantes, para que o coração passe a um segundo plano e endureça cada vez mais. Em pouco tempo somos vitimados, pela ação de fantasias lubridiosas, que transformaram a esperança e o amor, em rancor e ódio.
    Ingênuas almas caídas pelas cicatrizes. Corroídas pelo sucesso que alcançaram e perderam. Pelos castelos de areia, com fundação de palha, que se esvoaçaram com o vento. O grande mensageiro, o vento, vai em todos os lugares e volta para me contar.  Me conta histórias de tempos em que certos homens cultivavam o amor, a compaixão e tolerância. A compreensão fugiu do dicionário da humanidade.  O analfabetismo cerebral, cultural e sentimental domina os rincões do mundo civilizado. Que aliás pensam que são civilizados. Civilizações de outrora, vivam em harmonia com a natureza e como seus semelhantes. Sim o vento veio me contar.

    Que as cicatrizes sejam apagadas com a cura do amor.  Que o amor e a tolerância sejam maiores que qualquer ódio.  Oxalá, haverá um dia que todos seremos de fato seres humanos sob uma grande   raça.  A raça humana, sem cores, sem credos, sem nacionalidades e com tudo ao mesmo tempo. Um dia quem sabe. Sim o vento sabe, o vento é um velho amigo do andarilho, lhe conta tudo, ou talvez nem tanto.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Celebrando

     Segue  calmamente, o Andarilho, caminhando pela noite fria de junho, numa rua escura de sua cidade  natal. Não sabia bem o que procurava, então resolveu andar e deixar a vida leva-lo a algum lugar. Na rua, havia poucos postes  que salpicavam fachos de luz nas calçadas. Já passavam das nove da noite, e as pessoas estavam recolhidas em suas casas descansando depois de um dia de trabalho. Mas no alto da rua, havia uma casa iluminada. Não apenas com as luzes das lâmpadas, mas também  com o calor de uma energia  sutil e brilhante.
Isso chamou sua atenção e instintivamente foi em direção ao portão da casa. Ao chegar percebeu que havia uma festa. Mas era uma festa diferente,  a principio parecia uma festa como outra qualquer, mas aquela era diferente. Atravessou a  rua, sentou-se na calçada, na penumbra de uma pequena arvore e ficou observando.
      Era uma festa de família. A cada  pessoa que chegava, haviam gritos e demonstrações de felicidade. Duas pessoas na churrasqueira bebiam alegremente enquanto serviam os demais. Algumas crianças corriam pelo quintal e brincavam em um pula pula.  As pessoas se separavam em pequenos grupos, depois os grupos mudavam, e reagrupavam. Não havia logica, pois todos queriam falar com todos.  Trocar  as experiências, projetos ou simplesmente as boas  lembranças. E durante um bom tempo todos conversavam  e celebravam o vinculo deles, com muita comida e bebida.
      De repente um momento mais solene. Um vídeo é passado diante de todos, onde puderam ver a si mesmos há muitos anos atrás. Uma época de juventude, onde estavam juntos com todos os antepassados, que conheceram e seus entes queridos, que ali não estavam, ou que haviam partido para outra jornada. Mas os laços que os unem permanecem, o  Philos emanava de uma forma sutil e consistente.

      Após  o vídeo, ele percebeu uma outra mudança de energia, doces, fotos  e despedidas. Um até logo de cada um que  saia da festa. Cada um que passava pelo portão trazia uma lividez no rosto e uma alegria de ter mergulhado no rio do amor fraterno, revigorados. Já passava da meia noite quando os dois últimos casais deixaram o lugar. Estavam radiantes.  Mas festa acabara.  As luzes  iam se apagando e o Andarilho deixou o local  com um bom pedaço daquele amor emanado, embora nem todos o conheçam, mas ele conhece a todos.   Ele desaparece na noite escura da sua cidade,  feliz, pois encontrou  novamente o maior dos milagres, o AMOR. 

segunda-feira, 2 de junho de 2014

O templo do escorpião


    De degrau a degrau o Andarilho vai vencendo a íngreme subida da pirâmide do Sol. Os degraus são pequenos, mal cabem os seus pés.  Mas a sensação era a mesma da primeira vez, todo aspecto místico e misterioso estavam a tona novamente.  Ele chegou no cume, fez suas orações e sentiu um calor mais sutil da  luz do sol.  Resolveu sentar e  descansar um pouco, olhando para a “la luna” .  Perdido em seus pensamentos, olhou para uma pequena pirâmide no centro de uma grande praça, onde  uma multidão se reunia  e gritavam enlouquecidamente a cada cabeça que rolava pelas suas  escadas, já tingidas de  vermelho. Sacerdotes e governantes sacrificavam os seus inimigos, de guerra ou não, oferecendo seu sangue aos Deuses.
     Dessa  vez ele não tinha ido. Apesar de fazer parte de uma casta sacerdotal, inventou uma desculpa para não ir. Já estava cansado daquilo. Eles já haviam se desviado totalmente do proposito inicial dos antigos construtores. Aqueles que  ajudaram e orientaram a  erguer aquela civilização, na aurora dos tempos. Tudo estava contaminado pela ambição e poder. O colapso da civilização era questão de tempo. Ele lembrava, de historias que contam que os antigos construtores também estiveram num lugar a leste,  perto do mar, que seria um lugar onde a agua era  infinita, ajudando a construir uma outra civilização formada por  seus irmãos de tribos. E ali começa a escassez. Lá havia ainda comida e vegetação em abundancia. E muito provavelmente, os ensinamentos estariam mais preservados. Levantou-se e correu para sua casa, onde se encontravam sua esposa e os  seus três filhos, que também foram orientados a não irem a praça central. 
    Depois de uma breve explicação,  ele conduziu sua família para longe da cidade, aproveitando a distração da população, sacerdotes e governantes no evento, e marchou para o Leste em busca do tão sonhado mar. Após muitas florestas e aventuras,   quarenta  luas  se passaram até que ele encontrou o templo de Chichén Itzá. Foram bem recebidos pelo povo que ali se encontrava. Passaram uma lua naquele lugar, recobrando as energias e se familiarizando com a cultura local. Todos os dias, olhava para o imponente observatório, construído pelos antigos construtores e ficava maravilhado. Mas o mar estava próximo, apesar da boa hospitalidade e convites para também integrar a sociedade ali, ele resolver partir. Tinha que finalizar sua jornada. Só assim ganharia o respeito dos Deuses. Então mais uma vez, partiu com sua família. Luas depois, chegaram a um lugar onde  havia um barulho ensurdecedor, o qual nunca havia escutando antes. Subiu numa  pequena colina e viu maravilhado as ondas do mar na arrebentação. Correu até a agua, acompanhado dos seus filhos, sob o olhar relutante de sua esposa, e mergulhou. Mergulhou para uma nova vida. Construiu ali mesmo naquela colina sua morada, pois queria ver o mar todos os dias. Vivia da pesca e agricultura. Relacionava-se comercialmente com outras famílias ao redor. Vivia em paz, conforme as orientações dos antigos construtores.
    Numa  tarde  sentou na frente da sua casa, que ele denominou “templo do escorpião” em homenagem aos antigos construtores e ficou observando seus filhos brincarem na areia branca, tendo ao fundo o mar azul turquesa. Seu  coração encheu de felicidade e chorou.....
Uma mão macia, cheia de amor, que já havia dividido uma vida com ele, toca o seu ombro e diz que é hora de descer, pois os outros estavam esperando.  O Andarilho se levanta, respira fundo, faz uma prece de agradecimento, segura a mão de sua esposa e começa a descer os 248 degraus da pirâmide do sol.



sábado, 19 de abril de 2014

O Gordo


Eu sempre passava um trote para o Gordo, quando ligava para ele, mas na quarta feira passada, eu quis fazer diferente.
“Alo ?” – Disse  o Gordo.
“Alo, então eu estava aqui meditando e cheguei a uma conclusão !”
“ Qual foi ?”
“ De que você   é um viado, um viado de merda, pois é filho do merda”
Explodiram as risadas e trocas de acusações. Como a  tia não estava, aproveitamos para conversar longamente sobre tudo. Só não imaginava que era um despedida, um até mais tarde.
O Gordo cuidava muito bem do seu intelecto, mais do que sua própria saúde. Nesse ponto era um cabeça dura. Mas se mantinha extremamente culto.
Eu conheço o Gordo desde sempre, mas uma das primeiras imagens que consegui reter dele, foi no desfile militar da AMAN onde ele servira. E nem era gordo ainda. A medida que fui crescendo, fui me aproximando mais dele, do Helinho já erámos irmãos.  Em Salvador ele me levou ao cinema, para ver De Volta para o Futuro. Foi ele que me levou  também na praia do Forte. E ainda tiveram as noitadas de Estancia. 
Em uma delas, eu resolvi parar de beber e fizemos uma aposta, diante da incredulidade do Gordo. Se ele me pegasse bebendo, me daria um murro na cara.
Nunca deu, pois eu parei mesmo. Mas estava sempre me lembrando disso.
Quando ele voltou  para Volta Redonda, fizemos uma  grande estripulia na véspera da véspera de Natal. Mas isso  é segredo.
Dai então sempre conversávamos, sempre com as ideias muito alinhadas.
Estávamos sempre presentes nos nossos aniversários, mesmo longe, sempre nos falávamos. Agora nossas conversas  foram interrompidas. Por enquanto.
Hoje  sorrateiramente, como sempre quis, partiu e nos deixou o legado da saudade mais uma vez.
Acredito que nesse momento ele está colocando a prova, tudo que  acreditava  e sendo amparado pelos nossos  antepassados.
Resolveu seguir o caminho que todos nós passaremos um dia, um dia, mas não agora. Voltaremos a nos encontrar  e dar uma  boa gargalhada da nossa farra nessa  vida e prepararemos, quem sabe mais uma.
Vá com Deus meu primo amado e voltaremos a nos encontrar, mas não agora.


quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Um pouco de Entusiasmo

    Numa tarde de final de primavera, lá ia o Andarilho atravessando apressadamente um estacionamento, quando uma  cena o paralisou. Um carro acabava de passar vagarosamente na  sua frente e   pasmem estava  enfeitado a moda antiga, com  desejos de felicidades escritos com  pasta de dentes, papel higiênico e uma  “rabiola” de  latas. Fazia tempo que não via um desses. Era um carro de  recém casados. Ele atravessou a rua e parou para  observar um grupo de pessoas  bem arrumadas no meio do estacionamento, todas felizes e conversando entre  si e  as  vezes  até  saltitando.  Olhou para o lado e  lembrou-se que ali havia um cartório. Novamente voltou a fitar aquelas pessoas. Haviam acabado de  testemunhar  um casamento, mais que isso, haviam comungado de um sonho de alguém querido, que acabava de compartilhar os seus próprios sonhos e  por que não a vida  com  alguém amado. Então ele viu tantas possiblidades de uma nova vida, tantos sonhos a serem vividos, tantos planos, tudo envolvido pelo entusiasmo, que contaminava a todos ali, inclusive ele. Que energia  boa essa !  Pensou consigo mesmo. Apesar de já haver presenciado vários casamentos, esse  tinha  um algo a menos, que virou  a mais.  A simplicidade. Sem glamour, sem festas  gigantescas, apenas os dois sonhadores e seus entes mais queridos.
   O Andarilho não conseguia tirar os olhos daquela situação, mas tinha que ir, pois também estava comprometido com o sonho de outras pessoas. Aproveitou para absorver um pouco daquela energia e  sentiu um pouco daquele cheiro,  cheiro de sonhos, cheiro de vida. Foi se afastando, agora um pouco mais devagar, se deliciando com um pouco do entusiasmo recobrado.