segunda-feira, 2 de junho de 2014

O templo do escorpião


    De degrau a degrau o Andarilho vai vencendo a íngreme subida da pirâmide do Sol. Os degraus são pequenos, mal cabem os seus pés.  Mas a sensação era a mesma da primeira vez, todo aspecto místico e misterioso estavam a tona novamente.  Ele chegou no cume, fez suas orações e sentiu um calor mais sutil da  luz do sol.  Resolveu sentar e  descansar um pouco, olhando para a “la luna” .  Perdido em seus pensamentos, olhou para uma pequena pirâmide no centro de uma grande praça, onde  uma multidão se reunia  e gritavam enlouquecidamente a cada cabeça que rolava pelas suas  escadas, já tingidas de  vermelho. Sacerdotes e governantes sacrificavam os seus inimigos, de guerra ou não, oferecendo seu sangue aos Deuses.
     Dessa  vez ele não tinha ido. Apesar de fazer parte de uma casta sacerdotal, inventou uma desculpa para não ir. Já estava cansado daquilo. Eles já haviam se desviado totalmente do proposito inicial dos antigos construtores. Aqueles que  ajudaram e orientaram a  erguer aquela civilização, na aurora dos tempos. Tudo estava contaminado pela ambição e poder. O colapso da civilização era questão de tempo. Ele lembrava, de historias que contam que os antigos construtores também estiveram num lugar a leste,  perto do mar, que seria um lugar onde a agua era  infinita, ajudando a construir uma outra civilização formada por  seus irmãos de tribos. E ali começa a escassez. Lá havia ainda comida e vegetação em abundancia. E muito provavelmente, os ensinamentos estariam mais preservados. Levantou-se e correu para sua casa, onde se encontravam sua esposa e os  seus três filhos, que também foram orientados a não irem a praça central. 
    Depois de uma breve explicação,  ele conduziu sua família para longe da cidade, aproveitando a distração da população, sacerdotes e governantes no evento, e marchou para o Leste em busca do tão sonhado mar. Após muitas florestas e aventuras,   quarenta  luas  se passaram até que ele encontrou o templo de Chichén Itzá. Foram bem recebidos pelo povo que ali se encontrava. Passaram uma lua naquele lugar, recobrando as energias e se familiarizando com a cultura local. Todos os dias, olhava para o imponente observatório, construído pelos antigos construtores e ficava maravilhado. Mas o mar estava próximo, apesar da boa hospitalidade e convites para também integrar a sociedade ali, ele resolver partir. Tinha que finalizar sua jornada. Só assim ganharia o respeito dos Deuses. Então mais uma vez, partiu com sua família. Luas depois, chegaram a um lugar onde  havia um barulho ensurdecedor, o qual nunca havia escutando antes. Subiu numa  pequena colina e viu maravilhado as ondas do mar na arrebentação. Correu até a agua, acompanhado dos seus filhos, sob o olhar relutante de sua esposa, e mergulhou. Mergulhou para uma nova vida. Construiu ali mesmo naquela colina sua morada, pois queria ver o mar todos os dias. Vivia da pesca e agricultura. Relacionava-se comercialmente com outras famílias ao redor. Vivia em paz, conforme as orientações dos antigos construtores.
    Numa  tarde  sentou na frente da sua casa, que ele denominou “templo do escorpião” em homenagem aos antigos construtores e ficou observando seus filhos brincarem na areia branca, tendo ao fundo o mar azul turquesa. Seu  coração encheu de felicidade e chorou.....
Uma mão macia, cheia de amor, que já havia dividido uma vida com ele, toca o seu ombro e diz que é hora de descer, pois os outros estavam esperando.  O Andarilho se levanta, respira fundo, faz uma prece de agradecimento, segura a mão de sua esposa e começa a descer os 248 degraus da pirâmide do sol.