Deitado
numa rede, sob a sombra de coqueiros, em praia paradisíaca, o andarilho
descansa. Mas sua mente nunca. E nunca entendeu porque. Sempre foi diferente,
não aceitava explicações sem bons embasamentos. Seu caráter questionador e
inquieto, já o colocou em varias saias
justas. Seu jeito inconformista e
questionador o impediu de ficar muito tempo na igreja. Sabia que tinha muitos passados e cada um
deles contribuiu para formá-lo de certa forma.
A paisagem era realmente linda, o som da agua na arrebentação parecia colocá-lo em transe. Estranhamente a
tarde caiu rapidamente, e as ondas começaram a bater mais forte nas pedras, as
quais já nem lembrava que estavam ali. Viu a chegada da noite, precisava
voltar, mas as ondas insistiam em castigar o penhasco. Lentamente uma névoa passava diante dos seus
olhos, o que era estranho, pois estava
no solstício de verão. Sabia que o que passo que estava preste a dar
teria um impacto profundo. Memorias soltas começaram a saltar das profundezas
de sua mente. Imagens da sua infância nas melhores escolas da Inglaterra. Seus
pais sempre se orgulharam de sua inteligência , sonhavam que um dia estaria na
corte ou no clero episcopal. O padre da
escola varias vezes tentou levá-lo para o seminário. Mas ele nunca se sentiu
seguro. O padre sabia que um jovem com
essa inclinação questionadora, não faria bem para a igreja se ficasse fora
dela.
Seguiu o serviço público, onde conheceu muita gente interessante e sociedades que se mantinham secretas, pois
naquele momento a igreja estava de olho tudo. Qualquer situação diferente, em
que a igreja se sentisse ameaçada, poderiam ser
réus da santa inquisição. Ele não queria se meter com a igreja, mas
conheceu uma mulher, que transmitia serenidade e sempre tinha uma explicação
para as questões complexas da vida. Ela
possuía o que ele sempre quis ter,
conhecimento. Os encontros ficaram mais
frequentes e ela começou a ensiná-lo.
Pouco tempo depois ela se revelou, pois não podia continuar, sem que seu
aprendiz soubesse de onde vinham aqueles ensinamentos. Ela era uma bruxa. Demorou para ele absorver a informação. Como
poderia ? Segundo a igreja, as bruxas eram ignorantes com pactos demoníacos !
Sua mestra era uma das pessoas mais amáveis e sábias de toda Londres. Depois de
expulsar seus demônios interiores resolveu continuar com o aprendizado, mesmo
correndo os riscos de ser preso e torturado. Sua sede era maior. E depois de um
ano e um dia, lá estava ele sentado no
alto de um penhasco meditando sobre sua escolha. Uma leve mão toca o seu ombro.
Já estava tudo pronto. Ele se levanta ,
segue a jovem mulher por uma pequena
trilha que leva para uma clareira, numa pequena floresta na Cornualha. Lá
haviam pessoas num círculo, com capuzes e no centro uma senhora que ele
conhecia bem, juntamente com um senhor de cabelos grisalhos. As chamas da fogueira crepitavam no círculo, enquanto entoavam cânticos em
homenagem a natureza. A Jovem entrou no
círculo passando por cima de uma vassoura. Quando ele foi fazer o mesmo, uma
daquelas pessoas, colocou o punhal no seu peito e perguntou o que ele queria.
Ele
sabia que se cruzasse aquele portal,
estaria morrendo para sua vida atual e renascendo. Nunca mais seria o mesmo.
Era o grande momento pelo qual aguardava durante um ano, traria mais
conhecimento e mais responsabilidades. Olhou para a bruxa, disse as palavras
rituais e sua passagem foi liberada. Tirou todos os seus pertences e entrou no
circulo. Não levamos nada para a outra vida, apenas sabedoria. Foi recebido
pela sua Mestra que começou o seu discurso dizendo “Entenda, uma vez bruxo, sempre bruxo, pelos
séculos de sua existência...” Ela
continuava enquanto ele olhava fixamente para a fogueira. Sentia o calor no
corpo, e a voz da sacerdotisa ia ficando mais distante. Voltou a ouvir o
barulho das ondas, cada vez mais alto e percebeu que o sol batia em seu rosto.
Duas crianças e uma jovem o chamavam
insistentemente. A Jovem se aproximou e disse : “Vamos pai, daqui a pouco
escurece e temos que aproveitar o
máximo o verão do litoral
baiano.”
Meio
atordoado o andarilho se levantou e deu um sorriso para o mar. Agradeceu as
entidades marinhas e aos céus. Tudo
estava claro agora “Uma vez bruxo, sempre bruxo. “